Idosos com dignidade?

(Texto escrito pelo presidente da Câmara Municipal de Alcoutim, Dr. Francisco Amaral, no jornal REGIÃO SUL, sobre o problema do isolamento dos idosos nos montes do interior algarvio)

Foi uma vida inteira de trabalho e de sacrifício. Quase sempre de sol a sol. Os filhos emigraram para o estrangeiro ou para o litoral. E agora? Que condições de vida? Isolados nos montes não menos isolados da Serra Algarvia e do Baixo Alentejo. Quantas vezes as refeições foram sopas de pão, ou pão com chouriço e azeitonas? O que vale é que o “caseiro” anestesiava. A seguir vieram as dores reumáticas (mais que muitas!), os almareios frequentes provocados pela aterosclerose ou hipertensão. Neuroses (ansiosa e depressiva), fibromialgia e outras, nem pensar. Não havia tempo para essas minudências modernas.
Entretanto, a visão vai diminuindo. As cataratas avançam imparáveis. A audição vai-se perdendo. Tanta surdez severa. A quem recorrer? Como? Quem paga? Quantas vezes se pensa: não há nada a fazer. É o destino. O destino é ficar assim…
Todos os filhos deviam ajudar. Uns podem, outros não. Uns podem e ajudam, outros não. Alguns, mais atrevidos, ainda vêm de vez em quando à serra buscar parte da reforma do idoso e alguns produtos. Outros, levam os familiares idosos para um apartamento para Faro ou para Lisboa, onde, quiçá, estarão mais isolados do que no seu monte isolado. “Será melhor ficar”, dirão os idosos. Os filhos, a maior parte quer ajudar, mas não consegue. Depois vêm os internamentos naturais no Hospital (Faro, Beja, Portimão). Surgiu a pneumonia, ou o AVC, ou o infarto, ou a neoplasia…
Muitas vezes internados numa maca ou numa cama de um corredor, ou à “molhada”, como às vezes acontece. Mais grave do que esta situação em si, é toda a gente já achar normal. As pessoas já não se indignam. Já se resignaram. Lembro-me, então, do que se passa hoje no Egipto, na Tunísia, na Líbia…
Normal estar internado uma semana num corredor de um Hospital? Numa Europa dita civilizada em pleno século XXI? Será?
Depois, se sobreviverem, têm alta para uma Unidade de Cuidados Continuados. Haverá vaga? Geralmente não! E agora filhos? Que fazer?: “- Vou deixar o emprego? -Vou meter baixa?”. Ouvimos do Hospital: “- O seu familiar tem de sair, tem de sair, desenrasque-se…”
Isto é o dia-a-dia! Só quando nos bate à porta é que nos apercebemos desta maldade. Melhor dizendo, deste drama. Até lá, é um problema dos outros. Cruzamo-nos neste fadário com a indiferença, com o egoísmo e o salve-se quem puder…
Os familiares dirão que estão a fazer o que podem!...
Os nossos responsáveis políticos dirão que estão a fazer tudo para resolver a situação!...
Será mesmo?!...

Francisco Amaral, Médico, Autarca